Richard Simonetti

O AMOR FELIZ

Richad - O AMOR FELIZ

Richard Simonetti
Do Livro: Boas Idéias – CEAC

 

          Pouco antes de deitar-se, a sós no escritório, em sua casa, Onofre lia O Evangelho segundo o Espiritismo.

          No capítulo XI, deteve-se em oportunos comentários de Allan Kardec:

          Amar o próximo como a si mesmo; fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós” é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo.

          Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que para nós desejamos.

          Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles?

          A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo.

          Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça.    Não mais haverá ódios, nem dissensões, mas, tão-somente, união, concórdia e benevolência mútua.

          Onofre pôs-se a imaginar como a Humanidade seria feliz se a Lei de Amor fosse plenamente observada.

A Terra estaria promovida a paraíso.

Coletivamente, longe estava essa meta celeste.

Individualmente, nada o impedia de alcançá-la.

Decidiu enfrentar o desafio de amar o próximo como a si mesmo e fazer por ele o que gostaria de receber.

No quarto, beijou, carinhoso, a esposa já acomodada no leito, dizendo que a amava e desejando-lhe um sono tranquilo.

Joana endereçou-lhe desconfiado olhar.

O que teria aprontado o marido? Aquela manifestação inusitada de carinho cheirava a dor de consciência…

– Há algo que você queira dizer-me, Onofre?

– Não, querida, apenas exprimi meu desejo de que você sonhe com os anjos.

Querida! – espantou-se a esposa, ante a súbita afetividade do marido.

Não obstante, aconchegou-se a ele e dormiu feliz.

 

Pela manhã, na sala de refeições, Joana avisou:

– Espere um pouco, meu bem. A Maria está atrasada. Irei à padaria buscar os pães.

Ele se adiantou:

– Pode deixar, querida. Vou rapidinho…

Joana conteve o impulso de colocar a mão em sua testa, a ver se súbita febre fundira-lhe os miolos. Não estava habituada à colaboração do marido nos contratempos do cotidiano.

Ganhando a rua, Onofre foi abordado por um homem de aparência humilde, expressão sofrida.

– Por favor, senhor…

Cortou a conversa.

– Sinto muito. Estou com pressa!

Mal dera alguns passos e logo a consciência cobrou o cumprimento de sua resolução na véspera:

O que gostaria que fizessem por ele se tentasse falar com alguém?

Voltou disposto a ouvir o desconhecido.

– Perdoe incomodá-lo. É vergonhoso, bem sei! Nunca aconteceu comigo, mas minha situação é desesperadora! Estou desempregado há um ano. Tenho quatro filhos pequenos, esposa doente e não há o que comer em casa!

Com a intuição dos que se compadecem, sintonizando com os bons Espíritos, Onofre convenceu-se de que falava a verdade.

– Acompanhe-me, por favor.

Na padaria, providenciou para ele pães, margarina, queijo e vários litros de leite, incluindo algum dinheiro.

O pobre homem, em lágrimas, agradeceu:

– Deus lhe pague! O senhor salvou-me a vida! As pessoas me tratam como se eu fosse um bandido. Ando desesperado! Cheguei a pensar em me matar! Agora sinto que nem tudo está perdido. Há gente boa neste mundo!

Conhecedor do assunto, Onofre afirmou, enfático:

– Pelo amor de Deus, jamais permita que essa ideia malfazeja o envolva! É saltar da frigideira para o fogo!

Passou-lhe algumas informações sobre as consequências funestas do suicídio e lhe deu o endereço do Centro Espírita que frequentava, prometendo que ali teria o apoio de que carecia.

De retorno ao lar, Joana estranhou sua demora.

– É que encontrei um infeliz a pedir auxílio. Desempregado, família numerosa, situação desesperadora. Levei-o à padaria e lhe entreguei provisões. O pior é que andou pensando em suicídio! Incrível como a gente não tem noção do que se passa na cabeça das pessoas!

– Conversou com ele?

– Sim, já o orientei e lhe dei o endereço do Centro.

Pouco depois, Onofre partia. Joana ficou a cismar:

Decididamente, o marido estava mudado. Parecia outra pessoa… Certamente algum bicho o mordera. Abençoado bicho, que injetara solidariedade e atenção em suas veias!

 

No trânsito, motorista imprudente cortou-lhe a frente.

Reflexo rápido, Onofre brecou incontinente, enquanto o autor da proeza o xingava em altos brados, como se não fosse ele próprio o culpado.

Sentiu o sangue subir à cabeça e teve ganas de retrucar no mesmo diapasão, com meia dúzia de palavrões e o impertinente vá para o diabo que o carregue!

Antes que o fizesse, veio a lembrança:

          Amar o próximo como a si mesmo; fazer pelos outros o que quereríamos que os outros fizessem por nós.

          A recomendação de Jesus refrescou-lhe o cérebro, contendo o impulso agressivo.

E se o motorista imprudente estivesse com grave problema a perturbá-lo? Talvez um familiar gravemente enfermo… De qualquer forma, era um irmão comprometido naquele momento com o desatino.

Melhor orar do que amaldiçoar, considerou sabiamente.

Ligando o rádio, ouviu o noticiário. Crime tenebroso mobilizava a opinião pública. Uma multidão cercava a residência do assassino! Falava-se em linchamento! Ele deveria pagar com a vida por sua crueldade!

E seria bem merecido! – concordou Onofre.

No entanto, a história de colocar-se no lugar do outro, como exemplificara Jesus, o fez pensar.

O Mestre situava aqueles que se comprometem com o mal por doentes que precisam de tratamento, não de execração.

E se o criminoso fosse um alienado, sem governo sobre suas ações? E se estivesse sob grave influência obsessiva?

Em qualquer dessas situações, seria digno de piedade.

Modificando a reação inicial, orou pela vítima e pelo algoz.

Tão logo entrou em sua empresa, o chefe da contabilidade veio solicitar-lhe a demissão de uma secretária.

Argumentou que fora boa funcionária, mas ultimamente mostrava-se displicente e faltava com frequência.

– Se é assim… – começou Onofre, concordando com o subordinado.

A frase ficou em suspenso, ante a lembrança de que era preciso colocar-se no lugar do outro.

Repetiu, reticente:

– Se é assim…

– Podemos dispensá-la?

–… vamos conversar com ela.

O subordinado espantou-se.

– Conversar para que, chefe? Já lhe disse que é caso para demissão!

– É funcionária antiga. Vamos ver o que está acontecendo.

Em breves momentos, ela entrava na sala.

Em lágrimas, explicou que atravessava um momento difícil. O marido a abandonara com dois filhos. Sumira no mundo! A mãe, viúva, paciente terminal, necessitava de seus cuidados. Reconhecia que seus problemas estavam afetando a atividade profissional e pedia um pouco de paciência aos seus superiores. O emprego lhe era indispensável.

Compadecido, Onofre providenciou para que ela entrasse em férias, com a promessa de que teria toda a assistência da empresa, ajudando-a em suas dificuldades.

 

Após o expediente, nosso herói dirigia o automóvel, de retorno ao lar.

O trânsito estava terrível, extremamente moroso.

Onofre, que costumava irritar-se naquela situação, surpreendentemente sentia-se calmo.

Ligou o rádio.

Alguém cantava a música famosa de Tom Jobim e Vinícius de Morais:

 

Vai tua vida

          Teu caminho é de paz e amor

          A tua vida é uma linda canção de amor

          Abre os teus braços e canta

          A última esperança

          A esperança divina de amar em paz

 

          Se todos fossem iguais a você

          Que maravilha viver…

          Uma canção pelo ar

          Uma mulher a cantar

          Uma cidade a cantar

          A sorrir, a cantar, a pedir

          A beleza de amar

          Como o sol, como a flor, como a luz

          Amar sem mentir, nem sofrer

 

          Existiria a verdade

          Verdade que ninguém vê

          Se todos fossem no mundo iguais a você.

 

          Onofre enxugou os olhos, emocionado.

          Ah! se todos fossem iguais a Jesus, não na grandeza espiritual, que longe dela estamos, mas iguais na vivência do amor maior que ensinou e exemplificou – cuidar do próximo.

Lembrou os últimos acontecimentos.

Reconheceu que tivera um dia maravilhoso, não pela ausência de problemas, mas porque ele resolvera o problema maior – sua inadequação aos valores do Evangelho.

 

Uma característica do Espírito superior é a sua capacidade de síntese e a clareza de suas ideias.

As escolas psicológicas devassam a personalidade humana, em complicadas lucubrações, buscando traçar caminhos para a cura de transtornos da emoção e do pensamento, que infelicitam os pacientes…

A psiquiatria prescreve fortes medicamentos, que interferem na química cerebral para neutralizar disfunções que produzem desequilíbrios e perturbações…

Toneladas de tinta são usadas para a publicação de incontáveis manuais de auto-ajuda, em que os autores traçam extensas orientações, que pretendem sejam originais e decisivas para ensinar as pessoas a serem felizes.

No entanto, Jesus, com uma única lição, em poucas palavras, nos indica o caminho para o equilíbrio, a cura de nossos males, a conquista da felicidade: simplesmente fazer ao semelhante todo o bem que desejaríamos receber dele.

Analisando os males produzidos pelo homem, no passado e no presente, identificamos uma causa comum: o egoísmo.

É por pensarem muito em si mesmos que indivíduos e coletividades envolvem-se em desonestidades, desentendimentos, brigas, violências, guerras, extermínios, perpetuando sofrimentos, dores e tristezas que fazem, no somatório, a infelicidade humana.

No dia a dia, se analisarmos nossos sentimentos negativos, nossos conflitos domésticos, nossos estados depressivos, nossas enfermidades, verificaremos que a origem está no comportamento egoístico.

Em algum momento, em algum pensamento, em alguma ação, contrariamos o princípio de que devemos fazer aos outros o bem que desejaríamos nos fosse feito, e acabamos fazendo aos outros o mal que não desejaríamos para nós.

Jesus, com a simplicidade da sabedoria autêntica e a profundidade da verdade revelada, nos ensina como vencer a depressão, a angústia, a tristeza, os desajustes variados, as dissensões, as dificuldades de relacionamento…

Basta mudar de pessoa, na conjugação do verbo de nossas ações: da primeira pessoa do singular, eu, para a terceira, ele.

Pensar no próximo, antes de pensar em nós mesmos, cultivando a suprema felicidade de exercitar o Amor Maior.

 

Livro nº 49 – 2010

Amor, Sempre Amor

Variações sobre o amor, a partir de O Evangelho segundo o Espiritismo

Editora: CEAC-Bauru

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