Crônicas - Humberto Campos

A HERANÇA

Pelo Espírito Irmão X (Humberto de Campos).

Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

Livro: Marcas do Caminho. Lição nº 07. Página 26.

Mensagem recebida num Culto do Evangelho no Lar, em 10.08.1969.

Na mesa do vasto aposento que penetrávamos, em serviço de assistência espiritual, jazia grafada em belo cursivo a interessante carta que passamos a transcrever:

– Meu Caro Belmiro:

Parece incrível, mas somente hoje consigo tempo para responder-lhe à carta, recebida há precisamente oito meses. Perdoe-me a demora. Realmente, o velho morreu, no ano passado; entretanto, apenas agora pude liquidar o inventário.

Confirmo a notícia da herança. O montante em dinheiro que me veio ao domínio é de cento e oitenta milhões, mas, automaticamente, sou hoje o dono de oito prédios, no valor aproximado de quinhentos milhões de cruzeiros velhos. Isso tudo, somado às jóias que me ficaram, ultrapassa a quantia de oitocentos mil cruzeiros novos ou quase um bilhão na moeda antiga. E agora, meu caro, é tocar para a frente. Espero multiplicar o patrimônio quatro vezes, em dois anos. Esteja certo disso.

Sinto muito não atender à sua recomendação. Você insiste comigo, há muito tempo, tanto quanto insistiu com o falecido, em assuntos de caridade. Não fôssemos companheiros de infância e não daria atenção ao caso; no entanto, estimo você suficientemente para deixá-lo sem resposta. Aprendi com o velho que a vida vale pelo dinheiro que se tem.

Você fala em benefícios aos outros, para que venhamos a ser beneficiados, e afirma que, se dermos em bondade e desprendimento aos que sofrem na vida, a vida nos retribuirá em saúde e alegria. Não sei onde é que você encontrou tanta teoria bonita para se enfeitar.

Espiritismo, Reencarnação… Você, Belmiro, é um poeta.

Sempre admirei a sua imaginação. Desde a escola, você é assim o notável sonhador que a gente aplaude, mas não pode seguir.

O que sei de mim é que nada compreendo sem o dinheiro. E dinheiro grande.

Acompanhei meu avô, prestando-lhe assistência, durante a minha vida inteira, e não será agora que vou perder o fruto de meu esforço. Não desfalcarei o que tenho e, para defender o que tenho, não estou disposto a ceder um tostão.

Você não é o primeiro amigo a falar-me de beneficência, de missão a cumprir, de solidariedade humana, de mensagens do Além… Acho isso tudo muito bonito, mas para mim não calha.

Estive trinta anos, pense na extensão desse tempo, trinta anos protegendo o velho e ajudando-o a preservar o que, no fundo, agora é meu. Acredita que estou relaxado, a ponto de esquecer-me? Não me venha com a história de que meu avô teria falado depois da morte para aconselhar-me. Ele, meu mestre de poupança, não quereria fazer de mim um mão aberta.

Essas conversas de espíritos, meu caro, tem muito de trapaça e bobagem…

Os velhacos inventam as modas e os tolos vão seguindo. Se o vovô quiser dar ordens, que me apareça. Não tenho medo de fantasmas.

Quanto à saúde, estou forte. Ainda não completei cinquenta anos e somente agora obtive a possibilidade de viver como quero. Estou eufórico, feliz. Nunca pratiquei tanta ginástica e com tanto gosto.

Você me convida a pensar no outro mundo… E eu convido a você para mergulhar nos prazeres deste mundo mesmo. Venha para conversarmos e receba um abraço muito cordial do seu velho amigo, sempre devedor.

– NENECO.

Esta era a carta escrita e assinada pelo cavalheiro simpático que fôramos chamados a prestar auxílio espiritual e cujo corpo acabava de se cadaverizar por força de violento enfarte do miocárdio.

E a nota mais significativa de todo o episódio é que ele, ao arrancar-se do veículo prostrado, em nossa direção, tomou-nos à conta de enfermeiros encarnados e, tropeçando semi lúcido, informou-nos para logo de que, se estava doente, não queria seguir para o hospital sem o talão de cheques.

 

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