Cotidiano - Wellington Balbo

Kardec e o “lugar de fala”.

Wellington Balbo

Dia desses, numa palestra que realizei em torno da temática: homoafetividade, família e instituições religiosas, fui indagado sobre o “lugar de fala” no que se refere a este tema.

Minha resposta foi mais ou menos assim:

Acho fundamental o depoimento das pessoas que passaram por isso, pois dá uma carga de cores bem mais interessante. Embora o lugar de fala não seja a única forma de se produzir um bom debate, não podemos desconsiderar que a experiência de quem viveu na pele determinada situação é algo muito rico.

Claro que há, também, outros formatos de tocar neste ou naquele ponto e obter, assim, uma discussão profícua de diversos assuntos em pauta na sociedade.

E vale lembrar que esses formatos não excluem, tampouco eliminam a importância da experiência de quem viveu a situação.

O problema é considerarmos que o empirismo, que dá origem ao lugar de fala, é a única maneira de debate legítimo. Não é, e o fato de não ser a única maneira legítima em nada o desqualifica.

Os saberes precisam abrir diálogo entre si para o aprofundamento de um assunto.

No caso citado acima, de nosso trabalho acerca dos homoafetivos, família e instituições religiosas, perguntamos justamente àqueles que passam pela experiência da homoafetividade as suas dores, dificuldades, alegrias, dramas e dilemas, o que, por óbvio, deu a eles lugar de fala e, portanto, protagonismo.

Kardec, ao elaborar o Espiritismo, pode-se dizer que deu lugar de fala aos Espíritos, pois interrogou-os acerca de suas origens, onde vivem, o que fazem e sentem.

Sistematizou aqueles conhecimentos com base na vivência dos Espíritos. O que é isto senão, de forma bem simples, um exemplo de lugar de fala?

Mas Kardec não parou por aí. Junto à vivência prática dos Espíritos colocou suas anotações, deduziu consequências e construiu o corpo de uma obra magnífica que não teria atingido a excelência sem o diálogo de vários saberes.

Portanto, nada mais justo do que ouvir quem mora em Salvador sobre Salvador. O que não invalida a abordagem de um paulista que estudou Salvador.

São visões que podem se complementar, eis porque os adeptos do lugar de fala como forma única de debate podem enriquecer seu baú de conhecimento ao admitir que há boas teses fora do empirismo.

Kardec fez isso lá no século XIX, por que não podemos fazer no século XXI?

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